quinta-feira, 15 de abril de 2010

De frente ao Sudário - O sinal e o assinalado



pelo sacerdote encarregado pelo Arcebispo de Turim para




estudar as temáticas vinculadas ao Santo Sudário, Giuseppe Ghiberti 

Entre os dias 25 e 28 de maio de 1898, durante a exposição que devia lembrar o casamento de Vittorio Emanuele (III) de Savoia com Elena di Montenegro, o advogado Secondo Pia fez as primeiras fotografias do Santo Sudário na Catedral de Turim. No momento do desenvolvimento das lajes Pia, percebeu-se que sobre o negativo fotográfico que estava diante da imagem havia caráter positivo, enquanto sobre o Sudário original e sobre o positivo fotográfico havia caráter negativo. A descoberta suscitou fortíssima emoção, ao que se seguiu uma explosão de múltiplas iniciativas e não mais se interromperam as interrogações no campo da pesquisa científica. Coincide com aquela data a origem da "sindonologia" [estudos sobre o Sudário].

As novas perspectivas de pesquisa científica provocaram uma nova consciência no relacionamento religioso que une o fiel ao lençol do Sudário e à imagem impressa, aumentando tanto o entusiasmo quanto a problematização sobre a possibilidade de contemplar ali os próprios traços de Jesus. Contemporaneamente, iniciaram discussões acaloradas sobre o mérito da "autenticidade" do tecido, que nos remete para um duplo problema: se aquele lençol teria tido origem no início da era cristã (problema da datação) e se a imagem do Sudário teria sido produzida pelo contato entre o lençol e o corpo sem vida de Jesus após a sua deposição da cruz (o problema da origem da imagem).

Nenhum outra relíquia antiga referente às origens cristãs jamais suscitou similar interesse, porque no objeto está presente uma "realidade de sinal" única, que tende a aproximar-se de modo singularíssimo à pessoa "assinalada".

O clima em que se desenvolveram a discussão e a pesquisa,  desde o início, foi absorvido de emotividade a partir de 1988, quando foram realizadas análises sobre o elemento C14 (um isótopo radioativo de carbono), presente no tecido da mortalha, e foi anunciado o resultado do inquérito, que datou a origem do pano entre 1260 e 1390 da era cristã. As tendências radicalizantes nas discussões são atestadas em posições extremas: de um lado, aqueles que afirmavam que o veredito era definitivo e, portanto, deveria ser considerada sancionada a ilegitimidade de um relacionamento religioso entre o fiel e o Sudário; de outro, muitos que sustentavam a falta de fiabilidade do resultado (muitas vezes alegando que ele havia sido atingido com procedimentos incorretos), defendendo, portanto, a "autenticidade" do Sudário e a legitimidade do relacionamento religioso com ele.

Torna-se, acima de tudo, necessária uma correta posição do problema. Isso é agravado por um pronunciamento científico; mas onde está precisamente o problema do relacionamento entre ciência e fé a respeito do Sudário? O que pode ou deve esperar a fé da ciência; que condições impõe a ciência à fé? É necessário, acima de tudo, esclarecer em qual categoria de realidade religiosa se coloca o Sudário: é imagem com referência a um fato? É relíquia da deposição de Jesus da cruz e da sepultura? À primeira questão parece dever-se dar, sem dúvida, resposta positiva; a resposta à segunda se coloca frente a um leque de possibilidades. Novamente: Quais consequências produzem no relacionamento daquela realidade com a fé a resposta às questões anteriores? Onde se localiza o relacionamento com a fé? Certamente a nível de veracidade do sinal. E de qual modo ele age positivamente em favor do processo da fé?

Onde se localiza o plano da "significatividade"? Na expressividade da imagem; ou também na materialidade do relacionamento com o corpo de Jesus? Porque o sentimento - o "coração" - do homem é mais reativo diante da consciência do contato físico: por que é maior a densidade de memória? Ocorre toda aquela "densidade" para justificar a proposta "pastoral" de devoção ou culto solene? O sinal do Sudário é mais "verdadeiro" se o pano certamente tocou o corpo de Jesus?

Essa massa de perguntas exigirá uma análise paciente, para se chegar a respostas que devem ser muito equilibradas. Creio, porém, que seja possível e necessário ter como ponto de partida a importante natureza do relacionamento que nasce entre quem se aproxima desse objeto e do Sudário em si. Se trata-se de um não-crente, mas dotado de sensibilidade humana, nasce um sentimento de pena pelo enorme sofrimento que ele vê "narrado" através da imagem misteriosa, juntamente com a compaixão e a indignação: Como é possível que o homem seja assim tão cruel com seu semelhante?

Se, porém, é crente, torna-se facilmente ciente da correspondência que existe entre a "história pelas imagens" que se vê sobre aquele tecido e o relato literário da Paixão nos Evangelhos. Nasce, então, um sentimento espontâneo e forte que nos leva à realidade do Sudário e, através dele, ao acontecimento que é ali fortemente significado, de tal forma que o sinal perde totalmente a importância para deixar aberto o caminho ao assinalado. Através do tecido, vai-se ao encontro da pessoa do Salvador.

Não é, agora, proposta qualquer pergunta, não é iniciada nenhuma pesquisa científica; a estrada se abre somente a um intenso sentimento de natureza religiosa, com pinceladas de comoção, contrição, petição. É o momento pré-científico, que não nasce de nenhum pronunciamento contra a ciência, nem mesmo da teorização de estranheza a ela, mas, simplesmente, de uma forma autônoma de caminho que envolve a vida.



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